Sobre 11 anos de Universo Marvel

Guilherme Jacobs
6 min readApr 29, 2019

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Falando, com spoilers, sobre Vingadores: Ultimato

“Part of the journey is the end.”

Eu nunca fui muito ligado à Marvel. Na infância, eu não lia muitos quadrinhos, isso foi algo mais reservado à adolescência, mas eu adorava ver desenhos e foi assim que comecei a me interessar por super-heróis. A primorosa Batman: The Animated Series e as animações do Superman, Batman do Futuro e Liga da Justiça que vieram depois estavam entre as minhas favoritas e foram os principais fatores em me tornar um grande fã da DC Comics. Seguindo a mesma lógica, meus mundinhos dentro da Marvel eram o Homem-Aranha e X-Men, já que ambos também tinham seus desenhos.

Mas Homem de Ferro? Thor? Capitão América? Eu sabia de suas existências mas pouco me importava com eles. Por isso, a quantidade de emoções que eu senti vendo Vingadores: Ultimato na estreia, especialmente no terceiro e decisivo ato do filme, me surpreendeu. Eu não cai num choro como algumas pessoas, nem mesmo na morte de Tony Stark, mas quando todos os heróis desse universo retornaram à vida e se juntaram ao Capitão no clímax da luta, logo depois dele segurar Thanos no 1v1 por mais tempo do que qualquer um imaginaria (que tal a surra que ele aplica quando usa o Mjolnir + escudo!), logo quando ele está sozinho, com meio escudo quebrado, diante de um exército muito maior do que qualquer coisa que ele já tenha visto, eu fui tomado por um sentimento de admiração e reverência, com uma pitada de nostalgia.

E foi aí que eu percebi. Todo mundo cria na cabeça o que é a versão ideal daquele personagem ou daquele universo. Por conta de Batman: TAS, qualquer história do Batman que eu ler, será com a voz do Kevin Conroy saindo do herói, e com o Mark Hamill no Coringa. Meu Superman ideal sempre será o de Grandes Astros Superman, desenhado pelo Frank Quitely, e com as palavras do Grant Morrison, e assim vai. Eu percebi, vendo Ultimato, que esse é o meu universo Marvel.

Não importa o que aconteça de agora pra frente, esse universo e suas interpretações são o que eu vou sempre pensar quando pensar na Marvel. Sim, eu me aprofundei bem mais nos quadrinhos da editora de uns 10 anos pra cá, li muito Vingadores, Doutor Estranho, Demolidor (so good), mas será impossível ler uma fala do Homem de Ferro com outra voz que não a do Downey, sempre pensarei no Capitão com o mesmo tom que o Chris Evans deu pro personagem, e assim vai. Eu comecei a acompanhar este universo quando estava no ensino fundamental, eu passei no vestibular, arranjei meus primeiros empregos, me formei e fiz muito mais do que achei que faria na vida. Durante todo esse tempo, duas ou três vezes no ano, eu podia ir no cinema ver o que estava acontecendo naquele mundo. E como eu não tinha nenhuma ideia já formada do que esses personagens deviam ser, era mais fácil me perder naquela história.

Essa é a mágica desse universo, e a grande conquista da Marvel. Nós podemos discutir os méritos e falhas do modelo de negócios da empresa, e certamente há tropeços ao longo do caminho (olhando pra você, Homem de Ferro 2), mas como um todo, o MCU é uma conquista monumental e uma excelente narrativa, ancorada por personagens bem construídos, atores que elevaram seus papéis e diretores de enorme talento. Para uma geração inteira, esse foi o exemplo perfeito de uma grande saga, o momento de ir na meia noite fantasiado, de entrar em longas filas para conseguir o universo. Esse foi seu Star Wars, Harry Potter ou Senhor dos Anéis.

Ultimato reconhece isso tudo, e é por isso que eu não podia me importar menos com as falhas de lógica no roteiro. Qualquer história de viagem no tempo sofre com isso em algum momento. Na verdade, eu argumentaria que o roteiro é a maior força desse filme, e a Disney devia pensar seriamente em empurrá-lo para um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Ele não está só adaptando e honrando os quadrinhos, mas todos os 21 filmes antes desse. Nós falamos muito dos Irmãos Russo, mas é preciso dar um salve pros roteiristas, Stephen McFeely e Christopher Markus (que também escreveram Soldado Invernal — o melhor filme do MCU — , Guerra Civil e Guerra Infinita). Eu imagino que essa dupla deve ter re-assistido os outros longas do estúdio vinte vezes para escrever o roteiro.

Tanto em Guerra Infinita quanto aqui, eles homenagearam os filmes individuais dos personagens enquanto os inseriam com perfeição na história atual. É por isso que as cenas com os Guardiões parecem ser de um filme dos Guardiões, e o mesmo acontece com o Doutor Estranho, Pantera Negra, Homem-Formiga, etc. Voltar no tempo, em Ultimato, permitiu elevar isso ao extremo, dando novas perspectivas e brincando com o primeiro Vingadores, Thor: O Mundo Sombrio e Guardiões da Galáxia de uma maneira incrivelmente divertida e interessante. Eles até deram atenção para o período menos utilizado do MCU, pós-Segunda Guerra Mundial e pré-Capitã Marvel, quando Peggy Carter, Hank Pym e Howard Stark estavam por aí.

Voltar no tempo traz seus problemas, mas Ultimato é um filme melhor por utilizar essa mecânica. Que maneira melhor de celebrar as conquistas dos últimos 11 anos e ainda mover a história pra frente? Que maneira melhor de nos lembrar do quão incrível é ver onde chegamos agora, e de onde viemos, quanto a esse universo? Até para Tony, Steve e Thor, isso serve como um momento de reflexão, informando as decisões que o trio faz na reta final. O sacrifício de Tony, o descanso final de Steve e o reconhecimento de Thor ao abrir mão da coroa de uma vez por todas só funcionam porque eles passaram por tudo que passaram. Nós só temos as reações emocionais que temos por causa do que passamos com eles.

E então, quando todos os heróis se juntam numa investida final contra as forças de Thanos, quando temos a página dupla desse universo, é normal sentir uma dose de adrenalina, nostalgia e admiração. É a culminação de tudo, a conclusão, e a celebração da ideia mais ambiciosa já executada em filmes blockbusters.

Agora, claro, vamos continuar com o MCU. Em alguns meses, um novo filme do Homem-Aranha vai servir como um epílogo para a Fase 3, e ano que vem novas histórias e novos personagens vão começar a surgir. Imagino que Doutor Estranho, Capitã Marvel, Pantera Negra e o próprio Aranha servirão como as novas peças principais do tabuleiro, talvez com a adição de alguns mutantes.

Mas o meu MCU terminou ali. Eu ainda vou acompanhar os filmes, claro, mas a minha história com esses personagens foi concluída, e muito bem. Agora, outras pessoas que estão no ensino médio vão acompanhar de perto as aventuras de Carol Danvers, dos Eternos, dos guerreiros de Wakanda, e quando a próxima Saga da Marvel terminar, seja ela o que for, terão um sentimento parecido com o meu.

Até aqui, eu me sentia como um participante desse universo. Mudando enquanto ele mudava, crescendo enquanto ele crescia. Havia um sentimento de pertencimento nos últimos 11 anos, e como tudo na vida, isso acabou. É bom que acabe. Conclusões são, geralmente, boas, especialmente umas tão bem executadas como Vingadores: Ultimato.

E agora eu mal posso esperar para ser testemunha de um novo Universo Marvel, o Universo Marvel de outra pessoa.

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